terça-feira, 28 de outubro de 2014

(Des)Gosto(s)

Rua da Fontainha - Vila Nova de Gaia

Não gosto do aparato artificial formatado no culto do tudo igual. Tudo igual à Barbie, tudo igual ao Ken, tudo igual ao “pedigree” mediático da página social.
Não sou aderente à moda do último grito, gosto do meu-eu natural e informal, não me incomodam as brancas rebeldes espetadas no cabelo, nem as rugas que acusam a idade que tenho. Gosto de gestos simples, de flores, de olhares e de sorrisos, gosto do silêncio, da tormenta e do desassossego. E não, não tenho medo do medo.
Gosto de quinquilharias, de coisas antigas, gosto de ruas escuras e estreitas, de casas velhas e ruínas; Adoro crianças e a terceira idade, lamento o homem que vendeu a dignidade por um punhado de trocados, esqueceu o seu legado, roubou o presente, hipotecou o futuro e perdeu a sua identidade. Admito-me um “nadinha” fundamentalista, mas ainda assim e numa visão mais generalista, acredito na evolução dos tais chamados tempos de mudança da era moderna contemporânea…Contudo, deito a ressalvo as minhas reservas e espectativas para um futuro longínquo, até porque, pelo andar da carruagem, a imagem é o que é, paisagem e só de passagem.
Por fim, e em definitivo sou mesmo antitudo o que seja precedido do prefixo - BURRO, tal como, e a título de exemplo, o acordo “burrográfico”.

domingo, 19 de outubro de 2014

Nothing Left to Say

Título: Woman in deep thinking
Fotógrafo: Amaia Castells
Colecção: Moment

Esperei-te no outro dia de manhã à noitinha,
mas a missiva veio vazia!
Voltei à espera do dia seguinte,
quando chegaste ontem para apagar do mapa
o roteiro de amanhã.
Lavadas em lágrimas vinham
silenciadas as tuas palavras de adeus,
um adeus que me soou diferente
sufocado no ar por senti-lo para sempre.
Levantei os olhos,
do lado de fora da janela atiraste-me um beijo,
deste-me as costas sem pestanejar,
e no medo de fraquejar
recusaste-me aquele último olhar,
(aquele do amanhã vou voltar).
E conforme entraste,
saíste da minha vida numa manhã de neblina.
Hoje, nada tenho teu para guardar comigo,
nem mesmo a espectativa
da espera perdida.
Neste momento, no lugar da dor,
só ficou a tristeza
e uma lágrima por chorar.

segunda-feira, 13 de outubro de 2014

Se memória houver…

Título: Snowing Night
Fotógrafo: Sungsoo Lee
Colecção: Moment

Não se lembrava, já não tinha lembrança…Era assim que queria começar aquela narrativa sem história, mas não se lembrava…não se lembrava…
Dos resquícios da memória tinha presente uma mesinha, do tipo escrivaninha talhada em madeira à moda antiga, pousada mesmo ali debaixo do candelabro de ferro forjado à mão, heranças da sua avó materna. As velas carcomidas pelo uso dado ainda ofereciam um pouco de tempo para ser folheada a sebenta empoeirada pelo depósito do esquecimento.
Não se lembrava, mas sabia que aquela história ainda não havia sido escrita, pelo menos por ela. Talvez esboçada quiçá! Certo é, que não se lembrava.
Puxou para si uma cadeira almofadada de veludo vermelho, deu lume ao candeeiro, aconchegou-se, colocou os óculos de leitura sobre a ponta do seu nariz arrebitado e abriu a sebenta. A primeira página estava vazia, assim como as restantes. O branco amarelecido das folhas de papel estava imaculado, nem um vestígio de registo escrito.
Soltou um suspiro reverberado na ausência e abandonou a mesa de olhos postos na sebenta, deixando-a para trás em pleno sossego. Finalmente lembrara-se de que tinham atingido o estado do vazio, do nada, onde tudo pode voltar ou não voltar a acontecer, se memória houver…

quinta-feira, 2 de outubro de 2014

Vazios

Título: Red sea oats blow in the wind
Fotógrafo: Medfor Taylor
Colecção: Creative #

Ao vazio conferiu o título de abismo,
onde vive a ausência de fim,
onde o desamparo não oferece risco de vida,
onde a morte estando incluída no pacote,
quando não concebia,
conduz as entranhas à loucura ensandecida.
Só lhe resta ao rasto penetrar por uma fresta da janela,
montado numa brisa de poesia outonal,
e esperar que o silêncio do corpo
acorde daquele estado comatoso.