quarta-feira, 4 de outubro de 2017

Ensaios sobre o Amor

Sebastião Salgado (2009)
Apreendi no tempo que o Amor é um sentimento maior. Na sua essência é um afecto altruísta, é um dar sem estar à espera de receber. Não é um contrato comercial ou uma cobrança difícil. O amor não fere nem dói. O Amor é o que de melhor existe em cada um de nós.  
Ora, o Amor consagra, actos, atitudes, posturas e comportamentos que o ser humano não tem capacidade de garantir na íntegra. E com base neste princípio, digo que o Amor é um afecto etéreo, que só os Deuses têm capacidade de materializar. Não acredito que exista Um, ou o Deus, mas acredito nas qualidades extraordinárias de bem-querer que ainda assistem à humanidade, onde este estado afectivo, se apresenta como um ensaio, como uma procura resiliente que se tem prolongado no tempo e que para além do tempo vai, sem ser plenamente encontrado. 
De facto, todos desejamos ser abençoados por tal estado de graça, mas colocamo-nos numa posição de autismo confortável e preferimos gerir os afectos com actos embelezados e falsas promessas, e ainda o justificamos com o conceito de liberdade e com os direitos consagrados pela legislação redigida pela mão imperfeita do próprio ser.
Enfim, nós, na nossa humilde condição mortal e de constante insatisfação procuramos ser tocados pelo Amor, mas rendemo-nos sistematicamente aos devaneios da paixão, esse sentimento forte e explosivo, que nos leva ao êxtase ébrio de prazer e bem-estar, que, mal canalizado conduz a práticas de actos inadequados, invocados em seu “bom” nome.
Se repararem, este ultimo juízo de valor é tecido ao Amor Romântico, aquele sentimento poético que reside no mundo do sonho paradisíaco. Já cantam os poetas que o Amor ora tem a duração fulminante do instante, ora tem duração perpétua para além da vida. A meu ver é um afecto cego portador das patologias crónicas da síndrome da Paixão, em jeito de cocktail explosivo, onde se misturam no mesmo copo, um vasto número de sentimentos, que por fim, acaba por transbordar cheios e vazios numa proporção que perturba o equilíbrio do sujeito.
Gerir o afecto romântico requer alguma regra e muita auto-disciplina interior para que se consiga atingir o equilíbrio entre as partes, até porque a vida não gira só em volta do amor e de uma cabana. A vida tem que ser vivida um dia após o outro com os pés bem assentes na terra. Os sonhos e a fantasia também fazem parte dela, mas quantas vezes se penhoram os dias por conta de expectativas, sonhos e desejos que não têm fim nem têm fundo!?
Eu, resiliente me confesso, aprendi a viver a vida de uma forma prática e objectiva, onde a lógica e a razão se sobrepõe aos desmandos do coração. E assim, neste registo procuro o sentimento maior nas coisas genuínas e nos gestos simples dos meus dias. Já o mundo encantado dos “Se´s” e dos “Quases´s”, que me anestesia das questões da rotina, guardo-o no meio das páginas dos livros que leio, ou visito-o de vez em quando, quando escrevo.

domingo, 24 de setembro de 2017

Striptease


Há muito tempo que a tua alma não se desnudava para mim. Lentamente, em modo de rito de acasalamento, toda a roupagem se espalhou pelo tabuleiro de xadrez.
O cinto, a gravata, sem faltarem os botões de punho, e as demais camadas de papel, caíram estrategicamente dentro do perímetro das quadrículas, para que a peça fundamental não desviasse um milímetro o curso normal do seu destino.
Há muito tempo que a tua alma não me segredava ao ouvido, mas o mistério, o senhor dono do abismo, permanece intacto, deveras tapado e protegido.

quarta-feira, 30 de agosto de 2017

Nem 8 nem 80


Brian Cattelle

Não tenho escrito, é certo!
Não tenho dado sinal de vida, é certo!
Ando arredia, é certo!
Ando desinspirada, também é certo!
Ando enfadada e aborrecida, é um facto.
Se ando de mal com a vida? Não, não ando. A vida é admirável, não me fez mal nenhum…
Acontece que neste hiato de tempo em silêncio, constato, ou melhor, confirmo a minha teoria da conspiração. Olho em volta, e para além das gaiolas virtuais, penduradas por aqui, por ali e por acolá, vejo-me ao espelho como uma peça obsoleta a levitar na realidade factual que nem as palavras que são levadas pelo vento, que afirmo eu, ser um (f)acto um tanto ao quanto ficcional...
Não me tenho como um ser antiquado, fundamentalista, quadrado, ou repassado no tempo, para além de ter presente os ditados, que atribuem ao “meio” ao "eixo" e à "metade" a virtude, o equilíbrio e o lado ponderado de todas as coisas. Mas hoje em dia, essa lengalenga não passa de uma grande fantasia. Por força dos tempos da era contemporânea - ó - moderna, o modo, a regra e o exemplo migraram do I para o III quadrante, tendo como base de referência o eixo axial espacial. Ou seja, o universo ficou de pernas para o ar, todo virado do avesso.
Nem 8 nem 80, dizem. Alvissaras aos 40, reza a regra do equilíbrio. Mas a regra, tem-se revelado uma grande merda, salvo as parcas excepções à regra, segundo dita a regra da regra.
Continuo a preferir o limite dos extremos, os "8" e os "80", mesmo consciente, e ciente de ser detentora de maus fígados. Ao menos sei que os fígados são meus, e, são genuínos. Talvez os encontrem por lá, pelos lados do II ou IV quadrantes, onde todas as realidades, prováveis e improváveis, são possíveis e coabitam em sintonia, abaixo ou acima da mesma linha de terra
.

sexta-feira, 21 de julho de 2017

Eu e Ela

Imagem daqui
Eu e Ela, ela e eu;
as duas faces opostas
da mesma moeda,
do mesmo corpo,
da mesma alma, da mesma mente
e do mesmo coração.
Eu moro na terra da realidade
onde a lei da gravidade foi inventada,
onde a matéria que é simplesmente
um punhado de massa
enche a peso a medida da mão.
Ela mora na encosta oposta
onde eu não existo,
mas onde me vejo e me assisto,
enquanto espectro da vontade.
Já nós somos a sombra de um fantasma,
por mais que me agradasse rever-nos
na silhueta de uma acácia
a dançar uma valsa em plena savana.

sábado, 24 de junho de 2017

Cage

Noel Oswald - Cage

Prisioneira, eu? Tenho para mim que o sou sim.
Ainda que tal afirmação de conteúdo aparentemente suspeito e duvidoso, se mostre desfasado na era do tempo moderno, ou contemporâneo, ou o que for, confirmo que sou prisioneira sim, não de ti, nem de ninguém, mas exclusivamente de mim.
Em modo de gaiola de ave canora, vejo-me cativa do meu corpo franzino, da razão da minha mente, do desassossegado da minha alma e do meu batimento cardíaco militarmente disciplinado. Em boa verdade, sou refém da visão que tenho do mundo que me rodeia, que me leva a tomadas de posição de defesa severa, sem grandes manifestações de exteriorização. (Os egos nunca não devem falar mais alto que o bom senso, e os olhos por vezes devem de permanecer fechados para não dizerem disparates).
Não é à toa que afirmo que o “meu” mundo é pequenino do tamanho de uma ervilha. Já por esse mesmo motivo não arredo pé dos meus olhos e dos meus poros para fora. Ali. Ou seja aqui dentro do meu eu, e em voz de oposição, existe uma imensidão vasta, quase do tamanho do infinito pincelado em tons de cinza, que ora está em estado de vazio, ora está em estado prenhe, conforme os rigores do tempo. Ali, ou seja aqui dentro, por norma as ruas da cidade estão desertas por falta de gente que as queira humanizar, e o mar arisco, na sua adversidade testa a personalidade, o engenho e a arte de quem se queira atreve-lo a navegar. O limbo, o outro lado vácuo é o meu estado de sítio, fujo dele sempre que me é permitido, mas não o combato, nem lhe resisto. Ao invés disso, aninho-me em posição fetal no ventre do abismo, que permanece na outra margem de mim, onde reside e eternamente persigo o meu maior desafio, o de alcançar aquela outra morada tão desejada.

quarta-feira, 7 de junho de 2017

Arte Urbana

Cunhal de prédio pertença à Casa Ramos Pinto
Rua Dom Afonso III / Rua Guilherme Gomes Fernandes

Vila Nova de Gaia

Escultura executada com sucata, com acabamento em técnica Graffiti.
Do autor conhecido por esse país fora, como Bordalo II

sexta-feira, 12 de maio de 2017

Rosa Santa Teresinha


Como já tiveram oportunidade de reparar, e falo de quem me vai lendo neste mundo da blogosfera, que ando afastada e muito queda. 
Quando não há mote de inspiração, os acontecimentos relevantes do dia que nos tocam, por vezes são o suficiente, para que o dedo dê de si, e registe o momento capturado na objectiva das palavras.
Ora, desde o dia 5 de Outubro de 2015, o meu pai, o Zé, é utente residente, no Centro Hospitalar Conde Ferreira. De segunda a sexta-feira, passa o dia no Centro de Dia do Alzheimer, São João de Deus, onde almoça, lancha e janta e nos períodos intercalares faz actividades de estimulação cognitiva, terapia ocupacional e de fisioterapia (o Zé já não sabe andar, mobiliza-se em cadeira de rodas). Após o jantar, sobe para a enfermaria, João XXIII para pernoitar, e claro está, em dias de feriado e aos ao fim-de-semana, permanece o dia inteiro naquela enfermaria.
Desde aquela data a esta parte, a rotina do meu pai é aquela, e a minha, tem sido no sentido de articular a minha actividade profissional e a de casa com o acompanhamento presencial e sistemático que lhe faço, três vezes por semana.
Terças e quintas-feiras, saio do trabalho ao fim da tarde em direcção ao Centro de Dia, dou-lhe o jantar, levo-o a fumar nos jardins do recinto hospitalar, e por fim deixo-o na enfermaria, para dormir. Aos sábados, no período da tarde, faço-lhe a visita na enfermaria, e sempre que as minhas filhas e o meu marido têm disponibilidade, também vão ver o avô e o sogro.
Não desviando do assunto, nem do acontecido, e a título complementar, informo que aquele Centro Hospitalar alberga um número vasto de utentes, ora residentes, que em função das patologias de que padecem, estão agrupados por enfermarias distintas e específicas; ora alberga utentes não residentes, que são acompanhados durante todo o dia e continuadamente, de segunda a segunda no Hospital de Dia. O centro de Dia do Alzheimer destina-se exclusivamente a utentes portadores da doença de Alzheimer ou de outras demências em fase leve a moderada da doença, devidamente diagnosticada.
Pois então, ontem, quinta-feira, estava eu a tocar à campainha do Centro de Dia, quando de repente, em direcção a mim, vem uma jovem utente residente, com livre-trânsito de circulação extra CHCF, que me abordou de uma forma muito gentil.
- Estás tão bonita e elegante, hoje! Vieste ver o teu pai?
- Vim sim. Mas olha, tu é que estás muito bonita, respondi-lhe eu, com um sorriso ruborescido.
A jovem seguiu caminho, pelos jardins fora, eu entrei, e fui dar o jantar ao Zé.
Eu e o Zé após o jantar, já nos encontrávamos no espaço exterior, para ele fumar o seu último cigarro do dia, quando de repente, de lá vem novamente a jovem, agora em direcção a nós. Ainda nos oferecia uma distância de cerca de 5,00m e já acenava na mão esquerda uma rosa Santa Teresinha.
- Olha, olha, colhi esta flor para ti. Oferecendo-me aquela rosa com um sorriso franco e acolhedor...
Os meus olhos ficaram rasos de água, mas com um grande esforço, consegui impedir a precipitação das lágrimas rosto abaixo.
Agradeci aquele gesto genuíno com um beijinho e um abraço bem aconchegado ao coração. Ninguém faz ideia, mas os utentes que dão vida, aquele conjunto edificado centenário, são de uma genuinidade e de uma meiguice incalculável, apesar das graves carências afectivas de que são alvo, há anos.
- Estou a fazer tempo para ir jantar. Acrescentou ela.
- O meu pai já jantou, além do mais, o vosso jantar daqui a nada também é servido, já falta pouquinho.
- Pois é, o teu pai janta muito cedo. Olha, o teu pai é escritor? Perguntou-me a jovem com os olhos grandes, bem arregalados?
- Não querida, o meu pai em tempo foi engenheiro, agora só é o meu Zé!
- Sabes? Este fim-de-semana vou a casa, a minha mãe está doente.
- Faço votos das francas melhoras da tua mãe.
- Vou subir, aqui está muito fresco, rematou a jovem.
- Vai lá então. Bom jantar, e bom fim-de-semana.
A moça subiu para a enfermaria respectiva e eu fiz o mesmo com o meu pai quando ele terminou de fumar o seu último cigarro do dia.
Dali, fui para casa com a flor na mão, e com o coração bem consolado. Quiçá um dia, ganho coragem para aprofundar o tema e dar a conhecer uma realidade em presença dura, que quase ninguém conhece.

Obrigada a todos e bom resto de semana.

Sandra


segunda-feira, 17 de abril de 2017

My Sweet Wish

Sebastião Salgado
África - Botswana


Eu adoraria deitar o meu pescoço, de asa aberta em voo rasante, naquela brisa amena de tempero almiscarado, onde o infinito não se faz tempo, nem barreira e nem limite; e falo da minha raiz sem presença, noutra terra, noutro céu, noutra paisagem, por entre outras gentes, outras cores e outros perfumes; e mais falo da sua cultura de alheação de génese material e afectiva. 
O meu Norte, além-mar, tem aquele apego que não se despega a quem o carrega nas entranhas da alma.

quarta-feira, 8 de março de 2017

Maria Jaquina

Street Art - Rua João de Deus, n.º 121, Vila Nova de Gaia
Maria Jaquina, filha da ti´Maria e do Ti´Jaquim, é casada com o Maneli, o padeiro da terrinha, e mora bem aqui ao lado, na Rua ao Virar da Esquina.
Pois é, Maria, pelo lado da mãe, Mulher pequenina, genuína como a sardinha; 
Jaquina, pelo lado do pai, Mulher de pelo na venta, como diz sua avozinha, menina simples, peito a eito e mão à cinta.
Ora aí está, a verdadeira conjugação explosiva, que faz da Maria, a Mulher de essência genuína, quer da cidade, quer da província. 
E sempre que a miro, cada vez mais a admiro, pois tenho nela a mão mestre que embala o berço da raça humana, e a estrela guia do norte da vida.

Digam lá, se ser Mulher, não é mesmo, a aventura de uma vida?!...

Então vá meninas, hoje o dia foi só nosso :)
Beijinhos para vós, 
Meninas, obviamente!

domingo, 12 de fevereiro de 2017

Porto de Abrigo

Mercuro B. Cotto
Ele carrega na alma
a calma do fio
de uma navalha afiada;
abre caminho
por entre espinhos,
costas escarpadas,
e tendas de circo
como quem aconchega sonhos
de algodão doce
em noites de seda velada.
Guarda o tempo no bolso,
a noite e o dia ainda são crias pequeninas…
Lança as velas ao vento,
folhas de papel crepe colorido,
por um fio,
trilho transparente,
quiçá inexistente.
Qual navalha que lhe dá o corpo
que lhe dá a alma, que o faz gente,
sangue do meu sangue frio a ferro quente,
ventre que pare a dor de um filho,
mão guardiã,
porto do meu abrigo.

domingo, 8 de janeiro de 2017

Tu

Noell Oszval - black cat
És a porta e a janela aberta
da pele que eu habito,
és o meu cheio e o meu vazio,
o meu silêncio e o meu grito.
Tu, és o colo que me aconchega,
o “Porto” Seguro do meu abrigo.
És o meu céu e o meu rio,
o meu jardim e a minha floresta,
és a minha paz
e também a minha guerra.
Tu és todo o meu amor,
e todo meu ódio,
és o melhor
e o pior que há mim.
Tu és a outra,
o extremo oposto do meu eu,
o lado insano de todo o meu ser
e de todo o meu sentir.
Tu, és a sombra 
que dá corpo ao meu viver.